
Apesar de não gostar muito do que ele escreve e fala, este texto resumiu com perfeição o diálogo que tive semana passada:
Eu: Nossa que calor!
Vc: É mesmo...tá quente!
Eu: Vamos tomar café aonde?
Vc: Você escolhe, mas tem que ter ar (condicionado) no lugar!
Coragem Carioca
"Quando jovem nutri uma certa desconfiança dos rituais. Nada demais, parece-me razoável que jovens prefiram os corpos nus até aprenderem a valorizar os simbolismos e as
sutilezas. Depois, aprende-se que toda vestimenta é uma exposição e toda nudez esconde algo ... E, claro, todo ritual mostra e esconde algo...
Aos dois anos de casado quase foi tudo por agua abaixo quando minha companheira entrou no pequeno apartamento no Leme e me
flagrou lendo
Xogum ( leram ou viram a série ? ) de quimono
japones e uma espada na cintura ... achou que eu era maluco ... Poucos anos depois ela teve certeza, mas ai já era outra história...
Acho lindo o ritual do chá
japones ... Mas a nossa cultura popular
tambem cria seus rituais, tão sofisticados quanto...
Vejamos o caso do café coado. Há alguns anos era
impossivel achar um bom café expresso. Isso mudou e hoje as opções são muitas e variadas. Mas, por outro lado, achar um bom café coado passou a ser
dificil e, com isso, um ritual está ameaçado...
Nós, o povo, contudo, não desistimos fácil da cultura que mostra quem somos... Muitos
sabados, ou domingos, ao
flanar por
Copacabana na companhia do Bolo pensando na crise
economica, nas saias que esvoaçam, no aquecimento global, nos sorrisos que passam, me vejo praticando o
espetacular e valoroso ritual do café coado no verão carioca...
E não sou só eu ... volta e meia encontro ali,
malocados no
mercadinho amarelo , Nossa Senhora, calçada oposta à
Menescal, companheiros resistentes e apreciadores do
cafézinho e seu ritual ...
Como é isso ? Assim : calor infernal, café coado de qualidade
quentííísíiiiimo, na
xicara e pires
recém retirados da
aqua fervendo e muito, muito, muito quentes,
impossivel beber sem queimar dedos,
lingua e lábios (
prejuizo terrivel,
voces podem imaginar... ) e sim, nós bebemos...
Uma arte, um ritual tão sofisticado quanto o
japones do chá, só menos
glamourizado pelas
midias internacionais...
Trata-se de segurar a
xicara com a ponta dos dedos nos
microsegundos exatos para não queimar, soprar, encostar os lábios, sorver mais
rápidamente do que a pele queima, baixar
rápidamente a
xicara e aguentar firme o calor descendo pelas tripas e tornando o corpo por dentro mais quente do que o calor do verão faz com o corpo por fora...
Como se o ritual desafiasse o calor , esse calor que nesse momento nos cozinha lentamente, mas que com a coragem e
sutileza unica dos cariocas, nós, no
mercadinho amarelo em
Copacabana, no café Palheta na
Saens Pena, no terminal Menezes Corte no centro, aqui e ali, nós desafiamos e dizemos : tá quente sim, vamos tomar um café ?"
Por Sérgio Besserman Vianna
Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/besserman/posts/2010/01/12/cafe-calor-256847.asp